A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou, na última quarta-feira (26/3), a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e, por unanimidade, tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados dele acusados de planejar um golpe de Estado para anular as eleições de 2022, vencidas por Lula (PT).
A decisão leva à abertura de uma ação penal contra o grupo e os denunciados passam a ser réus e responderão a um processo no STF. Com a aceitação da denúncia, uma fase de instrução processual se inicia. Nela, serão colhidos depoimentos de testemunhas e dos acusados, além da apresentação de provas.
Encerrada essa etapa, o STF realizará um novo julgamento para decidir se os envolvidos são culpados ou inocentes. Se forem absolvidos, o processo será arquivado. Se forem condenados, as penas serão definidas conforme a participação de cada um dos supostos atos ilegais.
O advogado Pedro Porto, mestre em direito penal pela Universidade de Brasília (UnB) e professor de direito do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP),explica que, após o recebimento da denúncia, a defesa tem algumas opções para questionar eventuais falhas no julgamento. A primeira delas é a oposição de embargos de declaração, caso haja omissão, obscuridade ou contradição no acórdão publicado.
Segundo Porto, essa medida permite à defesa apontar “alguma questão que não teria sido devidamente examinada pelo STF”. Caso os embargos não sejam apresentados ou sejam rejeitados, o processo avança para a segunda fase do rito, seguindo as normas da Lei 8.038, em que os réus são intimados a apresentar sua defesa prévia. Esse momento processual é essencialmente protocolar, servindo para a especificação de provas e indicação de testemunhas, sem a reabertura do debate sobre o mérito da acusação.
No que diz respeito à estratégia de defesa, Pedro Porto destaca que, no direito penal, é necessário demonstrar “qual é o nexo da conduta imputada a cada um daqueles réus e especificamente o crime que decorre então dessa conduta”.
Ele ressalta que os crimes imputados exigem a comprovação do dolo, ou seja, a intenção deliberada de cometer o ato ilícito. Assim, a defesa tende a explorar a ausência desse elemento subjetivo, argumentando que determinadas condutas apontadas pela acusação não são suficientes para configurar os crimes descritos na denúncia.
Sobre a colaboração premiada de Mauro Cid, Porto avalia que o elevado número de tratativas levanta um alerta sobre a credibilidade de suas declarações. “Com relação a essa questão da colaboração do Mauro Cid, o fato de ter tido muitas oitivas é algo que eu acho que acende um alerta, porque a palavra do colaborador tem que ser fidedigna, ela tem que ser coerente. Se a pessoa vai e volta em depoimento, você acaba perdendo um pouco da credibilidade daquela pessoa”, pontua o jurista.
Porto reforça ainda que a palavra do colaborador, por si só, não é suficiente para condenar alguém, sendo necessária a existência de “elementos de corroboração externa”, ou seja, provas independentes que confirmem os fatos narrados. Sem essa sustentação, as declarações de um delator podem perder força como instrumento de acusação.
A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid foi questionada por algumas defesas dos denunciados durante a sustentação oral durante a sessão de terça-feira (25/3) na Primeira Turma.
Na avaliação do advogado criminalista e professor de direito Rafael Paiva, toda e qualquer denúncia pode, e deve, ser objeto de questionamento. Dando lupa no caso específico da denúncia contra Bolsonaro e outros sete aliados, o jurista entende que na delação de Cid houve irregularidades na coleta das oitivas. “Diversas regras não foram respeitadas na coleta dessa colaboração, inclusive de acordo com a jurisprudência recente do STF, que chegou a anular delações premiadas da operação Lava jato em que foram praticadas irregularidades parecidas com as que vemos no caso de Mauro Cid”, esclarece.
“Entre elas, a que me parece mais evidentes é a decretação da prisão para forçar o investigado a colaborar. Em momentos anteriores, e até bastante recentes, ministros do STF, os mesmos que hoje aparentemente aceitam essa delação, caracterizaram como a tortura do século 21. Ou seja, a Justiça prende o investigado para ele colaborar. Se colaborar, e solto. Se não colaborar, é preso. Mauro Cid, inclusive, já deu declarações dizendo que foi coagido a delatar sobre o que nem sequer sabia, e isso é irregular”, opina o jurista Rafael Paiva sobre a polêmica acerca da delação de Cid.
Para Paiva, a partir de agora, com a abertura da ação penal, as defesas dos acusados terão a oportunidade de contraditar testemunhas e buscar caminhos para demonstrar a eventual inocência deles. “Pelo que os denunciados alegaram, provas que não eram interessantes para a acusação (mas eram para a defesa) foram desconsideradas, esquecidas, o que pode contaminar ainda mais as provas apresentadas nesse momento”, afirma.
A PGR sustenta que os denunciados formam o núcleo central (ou núcleo 1) de uma organização criminosa com intenção golpista. São eles:
Eles são acusados de cinco crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.