Segunda, 29 de Dezembro de 2025
19°C 30°C
Brasília, DF
Publicidade

Com a chegada do verão, atenção ao mosquito da dengue deve ser redobrada

Com calor intenso e chuvas frequentes, ciclo do mosquito se acelera, casos aumentam e especialistas reforçam a importância da prevenção

João Araújo
Por: João Araújo Fonte: Notícia Certa
29/12/2025 às 09h57
Com a chegada do verão, atenção ao mosquito da dengue deve ser redobrada

Com a chegada do verão e o período de férias, os dias ficam mais longos e o calor convida a momentos de lazer. Porém, com as altas temperaturas e as chuvas típicas da estação, também surge uma velha conhecida dos brasileiros: a dengue. Por isso, a época exige atenção redobrada, já que o calor e a água parada criam o ambiente ideal para a proliferação do mosquito Aedes aegypti

O professor Rodrigo Gurgel, da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), explica que a temperatura exerce influência direta sobre o desenvolvimento do mosquito. Em ambientes mais frios, com temperaturas em torno de 18 °C, o ciclo completo do Aedes aegypti — do ovo à fase adulta — pode levar de 20 a 25 dias, ou até mais. Já em condições de calor elevado, entre 30 °C e 32 °C, esse mesmo ciclo é drasticamente reduzido, podendo ocorrer em apenas seis a sete dias.

Segundo o especialista, a aceleração do ciclo de vida resulta em uma reprodução muito mais rápida, o que aumenta significativamente o número de mosquitos no ambiente, em um curto espaço de tempo. Inclusive, a própria sobrevivência dos insetos adultos varia conforme a temperatura. "Abaixo de 15 °C, é difícil que o mosquito sobreviva. Na faixa entre 20 °C e 30 °C, típica das regiões tropicais, eles se tornam mais ativos, se alimentam melhor e picam com mais frequência", afirma.

Outro ponto de atenção destacado por Rodrigo Gurgel é que o vírus da dengue também se replica mais rapidamente dentro do mosquito em temperaturas elevadas, tornando a transmissão mais eficiente. Por isso, períodos de calor intenso estão diretamente associados ao aumento do risco de surtos da doença.

De acordo com o professor, há uma relação clara entre ondas de calor e o crescimento da população do mosquito em áreas urbanas do Distrito Federal. "Estudos da Fiocruz mostram uma forte coincidência entre os mapas de ondas de calor e as áreas com maior incidência de dengue, especialmente no Brasil Central, em anos como 2023 e 2025", ressalta.

Esse fenômeno também vem sendo observado na Região Sul do país. Estados como o Paraná, onde a dengue era rara há cerca de uma década, passaram a registrar aumentos expressivos no número de casos. "Antes, a transmissão se concentrava em poucos meses do ano, geralmente entre janeiro e março. Com o avanço das temperaturas e a maior frequência de ondas de calor associadas às chuvas, a temporada de dengue se estendeu, tornando-se uma preocupação quase permanente", assinala. 

Boletins Epidemiológicos

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, em 2023 o DF registrou cerca de 44,5 mil casos prováveis de dengue ao longo do ano. Em 2024, o aumento foi de 525,6% em relação ao ano anterior, com cerca de 284,3 mil casos prováveis e 324,8 mil casos suspeitos. Entre janeiro e dezembro de 2025, os números voltaram a cair: foram notificados 24.332 casos suspeitos de dengue, dos quais 11.819 foram classificados como prováveis. Os mesmos dados confirmam o comportamento sazonal da doença no DF, com maior ocorrência entre os meses de outubro e maio.

Conforme os Boletins Epidemiológicos emitidos ao longo do ano pela pasta, a sazonalidade de 2024/2025 teve início em outubro de 2024, da mesma forma que a sazonalidade 2025/2026 começou em outubro de 2025, evidenciando a recorrência anual do aumento de casos nesse período.

O biólogo da Secretaria Estadual de Saúde Israel Moreira explica que é natural observar um aumento nos casos de dengue durante o verão, mas ressalta que esse crescimento nem sempre ocorre da mesma forma todos os anos. Segundo ele, a elevação, ou não, do número de casos depende não apenas das condições climáticas, como temperatura e volume de chuvas, mas, também, do tipo de vírus da dengue que está circulando na população.

"As variações nos casos não acontecem exclusivamente por causa do clima. Quando saímos de uma epidemia, por exemplo, há uma redução natural dos casos, independentemente das condições climáticas", detalha.

O biólogo destaca que o aumento das chuvas e do calor é suficiente para gerar um maior número de mosquitos, mas isso não significa, necessariamente, mais vírus circulando. Ainda assim, o cenário é preocupante. 

Prevenção

Liliana Leite, médica especialista em Família e Comunidade e integrante da plataforma de consultas médicas INKI, explica que a prevenção contra a dengue se apoia em três pilares fundamentais: o controle do mosquito, o uso de barreiras físicas e a proteção individual. 

"O foco principal é acabar com os criadouros. Qualquer recipiente que acumule água pode se transformar em um ponto de proliferação do mosquito", ressalta. O uso de telas em portas e janelas também é uma estratégia eficaz, funcionando como uma importante barreira física dentro das residências.

A médica ressalta que no período de calor intenso e chuva, como no verão, a atenção precisa ser redobrada, pois as condições climáticas aceleram o ciclo de vida do mosquito, permitindo que ele se reproduza em menos tempo. Um erro comum, segundo a médica, é subestimar pequenos recipientes. "Uma simples tampinha de garrafa esquecida no quintal pode se tornar um criadouro", alerta.

Nesta época, outro desafio é diferenciar a dengue das viroses típicas do fim de ano. "Nos primeiros dias, os sintomas podem ser semelhantes, mas a dengue costuma se manifestar com febre alta de início súbito, dor de cabeça intensa, dor atrás dos olhos, fortes dores no corpo e nas articulações, além do surgimento de manchas vermelhas na pele", ressalta.

A orientação da médica é procurar atendimento médico imediatamente diante de sinais de alerta, como dor abdominal intensa, vômitos persistentes, qualquer tipo de sangramento ou sonolência excessiva. "Mesmo na ausência desses sintomas, grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos, gestantes e pessoas com doenças crônicas, devem buscar avaliação médica logo no início do quadro", afirma. 

Liliana Leite também chama atenção para a chamada "janela crítica" da dengue, que costuma ocorrer entre o quarto e o sexto dia da doença. "É nessa fase que pode acontecer o extravasamento plasmático, quando o líquido sai dos vasos sanguíneos para outros tecidos. Esse processo pode levar à queda brusca da pressão arterial, choque e hemorragias, tornando o período o mais perigoso da evolução da doença", explica.

O  estudante de doutorado e pesquisador Matteo Taverna, de 27 anos, enfrentou a dengue pela segunda vez em março deste ano. A contaminação ocorreu provavelmente em casa, mas o diagnóstico não foi imediato, já que os primeiros sintomas foram confundidos com possíveis reações à vacina contra a febre amarela, tomada pouco antes de uma viagem ao exterior.

Após a vacinação, Matteo passou a sentir febre, dores de cabeça, dores no corpo e cansaço intenso. Os sintomas se estenderam por cerca de 10 dias, o que o levou a procurar atendimento em um pronto-socorro. Na primeira avaliação, o médico considerou a possibilidade de efeitos colaterais prolongados da vacina, informando que eles poderiam durar até 15 dias.

No entanto, uma semana depois, com a persistência do mal-estar, Matteo retornou ao serviço de saúde já com suspeita de dengue e confirmou o diagnóstico. A recuperação foi lenta. Ele conta que apenas cerca de 20 dias após o início dos sintomas passou a se sentir realmente bem.

A experiência mudou a rotina da família. Depois da segunda infecção, Matteo afirma que passou a redobrar a atenção com possíveis focos do mosquito dentro de casa, como vasos de plantas e pedaços de árvores que acumulam água. "Hoje, tenho muito cuidado quando um mosquito chega perto, quase uma paranoia", admite.

Apesar de se considerar uma pessoa bem informada sobre a dengue, ele reconhece que, na prática, a prevenção nem sempre acontece como deveria. Para Matteo, ações mais frequentes de fiscalização e orientação nas residências poderiam ajudar. "Talvez visitas mais constantes para verificar água parada tivessem reforçado melhor essas informações na nossa mente", avalia.

O pesquisador faz um alerta: a dengue não deve ser subestimada. "Não é uma doença simples. No meu caso não foi grave, mas ela derruba, cansa muito e por bastante tempo. Parece que várias partes do corpo deixam de funcionar", relata.

Para ele, é fundamental reforçar as estratégias de prevenção e controle, com maior investimento do poder público na disseminação de informações e, principalmente, em ações antecipadas. "A prevenção não pode começar só no pico da transmissão. As visitas e orientações precisam acontecer antes do verão", conclui.

Combate 

Em relação às ações de combate, o biólogo Israel Moreira afirma que as estratégias de controle da SES são realizadas ao longo de todo o ano, mas são intensificadas no verão. O monitoramento da população de mosquitos é feito por meio de armadilhas, que indicam as áreas com maior infestação. A partir desses dados, equipes de vigilância são direcionadas para os locais prioritários.

Entre as medidas adotadas também estão o uso de drones, que ajudam a identificar criadouros não visíveis a olho nu, a liberação de mosquitos com a bactéria Wolbachia, a instalação de estações com inseticida e outras estratégias integradas. "Hoje, trabalhamos muito mais com monitoramento e prevenção do que com reação. No passado, o foco era apenas o fumacê, que eliminava o mosquito adulto, mas, atualmente, mapeamos as áreas de risco e adotamos estratégias para evitar que ele se multiplique", conclui.

O professor Rodrigo Gurgel ressalta a arborização como um meio de diminuir a proliferação do mosquito. Ele explica que ambientes urbanos com menos vegetação, mais concreto e maior retenção de calor tendem a favorecer a proliferação do inseto. No entanto, há um limite: temperaturas extremamente altas, acima de 42 °C ou 44 °C, podem reduzir a sobrevivência do mosquito adulto.

"Áreas urbanas densamente construídas apresentam maior correlação com altos índices de infestação e transmissão de dengue. Estudos indicam que a manutenção de áreas verdes nas cidades melhora a drenagem, reduz o acúmulo de água parada e diminui a formação de criadouros, sendo uma estratégia importante de controle do vetor", detalha.