
A liquidação do Banco Master abriu margem para discussões de eventuais mudanças em torno do bombeiro da história: o Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
O FGC diz vai disponibilizar R$ 41 bilhões para cerca de 1,6 milhão de credores do Master. O fundo tem patrimônio de aproximadamente R$ 160 bilhões, sendo R$ 120 bilhões com liquidez para os repasses. Ou seja, há recursos de sobra para a realização dos pagamentos.
Mesmo assim, os grandes bancos viram no episódio um argumento para levantar a possibilidade de alterações nas regras do FGC.
Desde o começo do ano, em meio às negociações do Master com o BRB, os bancões vêm demonstrando algumas preocupações ao BC, especialmente com o uso excessivo do FGC como atrativo para captação de recursos por parte de instituições menores que oferecem ativos cobertos integralmente pelo fundo em caso de calote.
Com a liquidação do Banco Master em 18 de novembro pelo BC, as discussões sobre possíveis mudanças na configuração do fundo voltam à tona.
As propostas ventiladas passam desde o aumento na contribuição das instituições reguladas pelo FGC até a mudança no valor de cobertura de um produto financeiro, atualmente de R$ 250 mil por pessoa ou instituição.
Na semana passada, o presidente do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, deu um recado claro: é preciso preservar o FGC como fonte de segurança para instituições financeiras menores e bancos digitais se manterem competitivos.
“As maiores instituições, o que a literatura e a regulação internacional entendem é que elas gozam de um benefício e uma condição que é entendida como 'too big to fail' - elas são grandes demais para falhar. Ou seja, quando você chega em uma instituição que tem 10% ou 15% do PIB em ativos, essa é uma instituição que, se ela tiver problemas, vai ter repercussões sistêmicas, o que quer dizer que ela afeta a economia como um todo”, afirmou o presidente do BC durante participação, no mês passado, na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado.
Na prática, isso significa que os grandes bancos são importantes demais para quebrar. Caso estejam à beira do precipício, a União e os entes federativos com mais capital e interesse vão ao seu socorro, evitando que a economia brasileira seja fortemente atingida como consequência.
“Isso é uma espécie de benefício que essa instituição [grande] tem. Para conferir isso a outras, se criou a figura do Fundo Garantidor de Créditos. 'Tá bom, e quem tem o dinheiro em uma outra instituição que não é grande demais para falhar?'. Você cria a instituição [o FGC]”, acrescentou.
Ou seja, o investidor sabe que pode investir recursos nos grandes bancos, pois eles são “grandes demais para quebrar”. Para equilibrar a equação, o FGC garante o ressarcimento de até R$ 250 mil por pessoa ou instituição a todas as financeiras reguladas pelo BC que contribuem com o fundo.
“Eu costumo dizer que obviamente o FGC não foi criado para esse propósito de trazer competitividade, mas ele tem um papel importante como pilar dessa competitividade, e eu acredito que é fundamental a gente preservar esse ganho para o consumidor final e para a sociedade”, afirmou à CNN Leandro Vilain, CEO da ABBC (Associação Brasileira de Bancos).
Para Vilain, o mercado financeiro brasileiro amadureceu com a variedade de produtos garantidos ao longo dos anos, com mais ofertas vantajosas aos consumidores em decorrência do ganho de competitividade.
“Hoje, um investidor de pequeno porte consegue aplicações financeiras com taxas muito mais competitivas do que eram há 10 ou 15 anos, e isso é um efeito extremamente positivo, a gente não pode jogar fora essa conquista”, afirmou.
Em outubro deste ano, a Mérito Investimentos teve licença de financeiro concedida pelo BC e passou a ter permissão de ofertar produtos garantidos pelo FGC. À CNN, o CEO do grupo, Alexandre Despontin, disse que o Banco Central dispõe de ferramentas de controle e monitoramento rígidas que permitem a competitividade no mercado sem causar problemas para o sistema financeiro.
“Por você conseguir dar uma garantia para uma instituição menor, você fomenta outras instituições a poderem trabalhar no segmento. O setor financeiro tem uma barreira muito grande de entrada em termos de capital e regulação. Tem diversos órgãos que auditam e fiscalizam política de compliance, controles internos. Isso dá segurança de que as instituições vão funcionar e as pessoas podem confiar no sistema financeiro”, declarou.
“Essa garantia do FGC dá uma isonomia maior para que as instituições entrantes possam competir, conseguir captar com os investidores e criar produtos financeiros, como empréstimos de operações que os grandes bancos não estão fazendo. De certa forma, a concorrência ajuda a reduzir o spread bancário”, concluiu.
Atualmente todos os bancos e instituições financeiras que oferecem produtos cobertos pelo FGC, como contas corrente, poupança, CDBs, RDBs e LCIs/LCAs, contribuem mensalmente ao fundo com 0,01% do angariado pela venda dos produtos.
O percentual de contribuição é o mesmo para todas as instituições. Era maior alguns anos atrás, mas a partir de 2018 a cobrança passou de 0,125% para 0,01%, com a expectativa de um repasse da diferença ao consumidor.
Entre os produtos acima, o FGC garante o pagamento de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição financeira ou conglomerado.
No caso de ocorrer a liquidação de mais de uma instituição financeira associada em um período de até 4 anos, o valor máximo a ser pago pelo FGC para o mesmo CPF ou CNPJ fica limitado a R$ 1 milhão.
Especialistas ouvidos pela CNN defendem cautela em eventuais discussões sobre o critério de contribuição de cada instituição ao FGC. Ainda que o debate ganhe força nos bastidores após a liquidação do Banco Master, não deve haver consenso para grandes alterações em 2026.
"Essa discussão será feita ao longo do tempo, mas não é simples e trivial. Talvez seja necessária, mas precisa de um pouco mais de tempo. A gente defende que o cálculo do critério tenha algum componente associado ao risco dos ativos que aquela instituição está carregando", declarou Vilain, da ABBC.
Para ele, se o banco A aplica o dinheiro investido dos clientes em ativos de mais liquidez e segurança, deveria contribuir menos ao FGC do que o banco B, que aplica o capital investido em precatórios e empresas em recuperação judicial, por exemplo.
A contribuição passaria pelo nível de exposição ao risco, não tendo relação com o tamanho e o porte financeiro das instituições em questão.
Antes mesmo da liquidação do Banco Master, o Banco Central já havia começado a atuar em mecanismos para dar mais segurança ao sistema financeiro nacional.
Em agosto, o BC publicou uma resolução que entra em vigor em junho de 2026 para delimitar um teto de alavancagem das instituições financeiras. Agora, abriu uma consulta pública do Banco Central para estabelecer critérios de medição diária da qualidade dos ativos.
"Isso vai dar uma segurança e uma resiliência muito maior ao sistema financeiro", concluiu Vilain.