
A telecirurgia está transformando a medicina ao possibilitar que procedimentos de alta complexidade sejam realizados a distância. Como avanço dessa tecnologia, a telecirurgia robótica vem sendo apontada como uma nova revolução na saúde. Nesse processo, o Brasil conseguiu movimentar a medicina ao realizar, no dia 10 de outubro, a primeira telecirurgia robótica do mundo com internet de baixo custo, semelhante à utilizada em casa. O procedimento, que conectou João Pessoa, na Paraíba, a Curitiba, no Paraná, também foi o primeiro da América Latina entre cidades separadas por 3.200 quilômetros.
O avanço abre novas perspectivas para a medicina, sobretudo pela viabilidade técnica e econômica do uso de conexões convencionais em procedimentos de alta complexidade. Segundo especialistas, enquanto os sistemas tradicionais dependem de redes exclusivas e de alto custo (as chamadas redes dedicadas), o modelo brasileiro empregou infraestrutura convencional (rede não dedicada), o que cria condições para tornar o projeto escalável, acessível e inclusivo.
A conexão utilizou múltiplos provedores, com rede privada virtual (VPN) criptografada, latência média de 45 milissegundos e zero perda de pacotes. Isso significa um desempenho superior aos padrões globais, que admitem até 60 milissegundos de latência. O modelo de plataforma robótica utilizado foi o MP 1000 Robotic System Platform.
Transmissão ao vivoNesta fase experimental, o procedimento envolveu um animal (suíno) que se encontrava em Curitiba, na sede da Scolla - o centro de treinamento em cirurgia minimamente invasiva da América Latina, enquanto o comando do robô ocorreu no Centro de Convenções de João Pessoa, onde estava sendo realizada a 54ª Convenção Nacional Unimed. Aprovada por comitês de pesquisa animal em Curitiba e João Pessoa, a cirurgia foi transmitida ao vivo para os participantes do evento.
O procedimento é o primeiro resultado prático do Programa Nacional de Cirurgia Robótica e Telecirurgia da Unimed do Brasil, sistema que conta com 340 cooperativas, 118 mil médicos cooperados e 21 milhões de clientes."A telecirurgia robótica com internet de baixo custo abre fronteiras para o nosso país, permitindo que se concretize em definitivo", declarou o presidente da Unimed do Brasil, Omar Abujamra Júnior. "Nosso compromisso é avaliar as evidências científicas, capacitar os médicos cooperados e garantir acesso seguro às inovações", afirmou.
Expansão aceleradaO programa da Unimed do Brasil surge em um momento de expansão acelerada da cirurgia robótica assistida (CRA) no Brasil. Entre 2018 e 2022, foram realizados 88 mil procedimentos desse tipo no país. O número é 417% maior que as operações realizadas com o uso da técnica entre 2009 e 2018, período em que somaram 17 mil, segundo dados publicados pelo jornal O Estado de São Paulo e divulgados pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Responsável por liderar o programa, o médico paraibano Gualter Lisboa Ramalho, que é diretor de Mercado e Marketing da Unimed do Brasil e presidente da Unimed João Pessoa, disse que a telecirurgia robótica inédita é resultado de um trabalho coletivo e multidisciplinar.
O procedimento de João Pessoa mobilizou 42 profissionais das áreas da saúde e tecnologia da informação e 17 empresas. "Demonstramos que é possível unir alta precisão tecnológica e baixo custo operacional, preservando qualidade, segurança e eficiência", declarou Gualter Ramalho. "Esse projeto também abre perspectivas concretas de ampliação para o SUS, por meio de parcerias público-privadas", disse.
Missão à ChinaGualter Ramalho explicou que os passos iniciais para se chegar ao procedimento realizado em João Pessoa foram dados em abril deste ano com uma missão técnica à China, que contou com representantes da Unimed e da Scolla e envolveu parcerias entre cooperativas, centros de pesquisa e empresas tecnológicas.
No dia 13 de agosto, a equipe da Scolla realizou a primeira telecirurgia robótica da América Latina entre Cascavel e Curitiba, também utilizando um suíno. Já no dia 23 de setembro, houve outro avanço: a telecirurgia de maior distância geográfica da história, entre Curitiba e o Kuwait, nesse caso envolvendo um homem. São 12.034,92 quilômetros de distância, o que rendeu um registro no Livro Guinness de Recordes. "A telecirurgia já é uma realidade. Não se trata mais de perspectiva futura", declarou o CEO da Scolla, Marcelo Loureiro. "A questão principal é controlar a telecomunicação, controlar todo esse arcabouço tecnológico", comentou em referência ao procedimento inédito realizado na Paraíba.
O superintendente de Tecnologia da Informação da Unimed João Pessoa, Dênio Mariz, pontuou que a área de telecirurgia robótica estabelece um espaço para a colaboração de pesquisa interdisciplinar, que une os profissionais de tecnologia aos médicos e protocolos que garantem a segurança do paciente. "A gente está perseguindo uma rede nacional de telecirurgia onde possa ter uma infraestrutura de comunicação que viabilize esse tipo de procedimento", disse.
Em um futuro próximoO modelo utilizado em João Pessoa entra, agora, em fase de validação regulatória e de ajuste dos protocolos de segurança e conectividade. A expectativa é que, em breve, hospitais do Sistema Unimed e centros universitários parceiros possam reproduzir a experiência, ampliando e formando a maior rede de cirurgia digital do mundo.
A primeira cirurgia robótica do Brasil foi realizada em 2008. De lá para cá, muita coisa já evoluiu e, para os especialistas da área de tecnologia, em um futuro bem próximo a realidade das cirurgias será totalmente diferente da que se conhece até então como consequência de pesquisas e inovação. "O que se provou é que, caminhando um pouquinho, a gente vai chegar a uma situação de o cirurgião operar de casa", afirmou Guido Lemos, consultor da Unimed João Pessoa.