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Bolsonaro acelera desmonte da pesquisa científica

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02/04/2020 às 18h11
Bolsonaro acelera desmonte da pesquisa científica
Roberto Muniz Barretto de Carvalho, analista sênior em Ciência e Tecnologia, servidor público no CNPq, diretor-presidente da Associação dos Servidores do CNPq e presidente do Sindicato Nacional dos Gestores em Ciência e Tecnologia (SindGCT). Foto: Divulga

“No meio da pandemia, um amigo da UnB tá em um lab [laboratório] fazendo testes pra coronavírus. Ele tem um aluno de doutorado que mudou pra lá e parou o que ia fazer pra ajudar no diagnóstico da Covid-19. Acabou de descobrir que a bolsa de doutorado dele foi cortada da Capes”. Esta denúncia foi feita pelo virólogo Átila Iamariano em suas redes sociais.

Poucos dias antes, estudantes de doutorado e mestrado de Biologia da Universidade Federal de Goiás demonstraram, também nas redes sociais, como seria o alcance do coronavírus no Brasil e denunciaram o corte de 10 das 12 bolsas de doutorado do curso, que tem nota 7 – nota máxima – na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

O desmonte do setor da pesquisa científica e das universidades públicas começou em 2016, no governo Temer. E piorou muito com Jair Bolsonaro. Além de negar o valor da ciência, o Presidente da República nomeou Benedito Guimarães Aguiar Neto para presidir a Capes. A primeira atitude dele ao tomar posse foi retirar mais de 50% do investimento do Estado das pesquisas em andamento.

Na data da nomeação, em janeiro passado, a comunidade científica brasileira e mundial ficou estarrecida e reagiu com vários manifestos. Na Universidade de São Paulo (USP), coordenadores e vice-coordenadores de 81 programas de pós-graduação em biodiversidade divulgaram uma carta demonstrando a preocupação com o novo presidente da instituição.

Defensor do criacionismo, evangélico fundamentalista, Aguiar Neto é presidente da Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas. Com ele, o governo Bolsonaro quer estreitar as “relações” do MEC com o setor privado da educação.

Para explicar a situação, o Brasília Capital entrevistou Roberto Muniz Barretto de Carvalho, analista sênior em Ciência e Tecnologia, servidor público no CNPq, diretor-presidente da Associação dos Servidores do CNPq e presidente do Sindicato Nacional dos Gestores em Ciência e Tecnologia (SindGCT).

O que houve, justamente na semana que começaram os casos do coronavírus no Brasil, com as bolsas de doutorado e mestrado da Capes? – No início de março, o novo presidente da Capes resolveu, sem discutir com a comunidade científica e com os fóruns de ciência e tecnologia existentes, refazer a norma de distribuição de bolsas de avaliação dos programas. A nova sistemática promove um corte violento nas bolsas de mestrado e doutorado da Capes. Todos os programas científicos e cursos estão perdendo suas bolsas. Está havendo cortes de 10% nos cursos mais bem avaliados, que são os Programas 6 e 7 de capacidade e qualidade internacional, e de mais de 50% dos cursos menos avaliados, de notas 3 e 4.

O governo não havia feito um acordo com a comunidade científica para assegurar recursos para a pesquisa? – Sim. Mas o novo presidente da Capes não respeitou o acordo. Já havia sido costurada, com muita dificuldade, uma nova norma para redistribuição de bolsas. Havia um acordo não muito bom, mas era negociado com o Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa das universidades. E ele foi completamente desconsiderado e, na calada da noite, de maneira surpreendente, a Capes lança uma nova sistemática de distribuição de bolsas.

O corte prejudicou dezenas de universidades e centenas de pesquisas em andamento, todas importantes para o País. Pegou todo mundo de surpresa? – Há dois elementos na atitude do presidente da Capes: Primeiramente, a surpresa. Não foi conversado com ninguém. Não foi avisado nem nada. Não foi comunicado a ninguém da comunidade científica. Segundo, desferiu o corte de recursos financeiros. A Capes ainda não divulgou o número de bolsas canceladas ou perdidas. Mas posso garantir que são muitas. O corte é violento e significativo.

Os governos Temer e Bolsonaro alegam que o Brasil vai quebrar se não houver esses cortes. A pesquisa científica é tão onerosa assim? – Não. A ciência e a tecnologia, no conjunto de gastos do Estado, representam 0,24%. Ou seja, se pegar 100% do dinheiro que o governo tem no Orçamento, apenas 0,24% é utilizado para ciência e tecnologia. Uma porção ínfima. E é dessa porção que saem bolsas, recursos para editais de pesquisa etc.

Então o que é que consome o dinheiro público brasileiro? – É a dívida pública. Uma dívida que o Congresso Nacional não faz auditoria, ninguém fala sobre ela, não esclarece. Mas ela consome quase 50% do Orçamento público nacional, a metade do dinheiro do País. A Previdência consumia só 23%. O salário dos servidores não chega perto disso. É um gasto sim, mas não é o que está acabando com o Estado brasileiro.

Onde está o problema? – Com certeza não está na falta de recursos, até porque continuamos a pagar impostos. E os tributos no Brasil são pesados. O que falta é encarar o problema real: A dívida pública. O Brasil possui o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado nos anos 1970. Na década de 1990 ele foi reformulado com os chamados “fundos setoriais”, que são royalties ou impostos cobrados de algumas áreas em que as empresas atuam, como, por exemplo, o Fundo Setorial do Petróleo, o primeiro criado. Para cada atividade que as empresas petrolíferas fazem, elas têm de dar um percentual muito pequeno de seus lucros anuais para esse fundo. Só que essa pequena percentagem acaba sendo muito dinheiro para a ciência e a tecnologia.

Quanto o FNDCT arrecadava? – A reunião dos recursos arrecadados nos fundos setoriais deveria financiar pesquisas em ciência, tecnologia e inovação. O FNDCT tinha uma arrecadação anual de mais ou menos R$ 5 bilhões por ano.

Para onde ia esse dinheiro, então? – O governo federal contingenciava e ficava com parcela do dinheiro. Para se ter uma ideia do tamanho desse contingenciamento, dos R$ 5 bilhões, apenas R$ 1 bilhão era destinado, de fato, ao financiamento da ciência e tecnologia. O restante era usado para fazer superávit primário e pagamento da dívida pública. Essa dívida que ninguém sabe para onde vai o dinheiro, porque a gente continua pagando essa dívida, quem é o credor e porque nós temos essa dívida. Não falta recursos. O problema é que o dinheiro que deveria estar indo para a ciência e tecnologia está sendo drenado para a dívida pública.