Mobilidade Infrações
Transporte pirata: 532 infrações nos primeiros sete meses do ano no DF
Especialistas alertam para os perigos de quem se locomove pela capital do país por meio de veículos irregulares. Detran trabalha para reforçar a fiscalização
09/10/2025 07h55
Por: João Araújo Fonte: correioweb

Por Mila Ferreira e Ana Carolina Alli* — Um dos desafios da mobilidade urbana no Distrito Federal é coibir a grande quantidade de transportes irregulares, também conhecido como piratas, que circulam pelas vias da capital. Nos primeiros sete meses de 2025, o Detran registrou 532 infrações. Apesar de haver queda nos últimos anos (veja quadro), especialistas alertam para os riscos que esse tipo de transporte oferece aos passageiros. Enquanto isso, o governo trabalha para reforçar a fiscalização e fortalecer a infraestrutura de transporte público como forma de desencorajar a população a recorrer ao transporte irregular.

Especialista em policiamento de trânsito e professor de administração do Ibmec-DF, Fagner Dias destaca que, uma vez que o transporte irregular opera à margem da lei, ele escapa de qualquer controle do Estado. "Os veículos não são vistoriados, os motoristas não passam por avaliações técnicas e psicológicas adequadas, e as viagens longas são feitas sem o respeito devido às leis de trânsito", observa. "Essa combinação perigosa coloca em risco não apenas os passageiros que optam por esse serviço, mas todos os usuários das vias", alerta.

"Na eventualidade de uma colisão grave, os passageiros se veem desamparados. Como o veículo não possui seguro, por exemplo, e a operação é ilegal, não há uma empresa ou pessoa jurídica identificável para responder pelos danos físicos e materiais (dos passageiros). As vítimas ficam sem qualquer tipo de indenização ou amparo legal", detalha Dias.

A chef de cozinha Laís de Fátima da Silva, 58 anos, conta que recorre ao transporte irregular por ser mais rápido. "Da hora que chego na parada, até o ônibus chegar, demoram cerca de 30 minutos. O pirata chega mais rápido e ainda faz o trajeto mais rápido também", conta a moradora de Ceilândia, sem avaliar dos perigos que está sujeita. 

Professor de direito penal e processual da Escola Superior de Advocacia da OAB-DF, o criminalista Amaury Andrade explica que, em regra, o transporte não é crime no Código Penal, mas é uma infração gravíssima de trânsito. "O barato pode sair caro. Pode, contudo, ganhar contornos criminais em casos específicos, especialmente no transporte interestadual ou quando associado a fraudes e acidentes", especifica. "Apoiar a legalidade do transporte é investir em mais segurança, justiça social e mobilidade urbana equilibrada", afirma Andrade.

O vendedor Geraldo Silva Gomes, 32, também recorria ao transporte irregular por conta da rapidez. "Minha mulher é enfermeira e trabalha no turno da noite. Eu trabalho durante o dia, então a agilidade desse tipo de transporte me ajudava a chegar mais cedo em casa e ficar mais tempo com as minhas filhas", ressalta o morador do Recanto das Emas. Geraldo cita o pagamento com cartão nos ônibus como incentivo para ter parado de usar transporte irregular. "Não utilizo mais o transporte pirata desde que passei a usar só cartão, que os ônibus começaram a aceitar", relata.

O especialista Fagner Dias ressalta que uma das alternativas para coibir o transporte pirata é justamente o oferecimento de alternativas via transporte público formal. "Precisamos expandir e qualificar nossa rede de mobilidade urbana, com opções seguras, acessíveis e confiáveis. Ônibus lotado e demorado são estímulos ao transporte pirata", alerta.

Fiscalização

O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) faz, diariamente, ações de fiscalização em todas as regiões do DF, incluindo patrulhamentos e pontos de demonstração (PDs). "As operações para coibir o transporte pirata são definidas a partir de denúncias encaminhadas pela população por meio da Ouvidoria. Essas ações são realizadas de forma contínua, com uso de tecnologia e patrulhamento ostensivo", disse o Detran em nota.

O secretário de Transporte e Mobilidade, Zeno Gonçalves, reforça "a fiscalização veicular é competência exclusiva do Detran, mas o combate a esse crime envolve também a Secretaria de Segurança". De acordo com o secretário, o governo do DF tem intensificado operações contra transportes irregulares durante grandes eventos e também em pontos sensíveis como aeroporto, Rodoviária Interestadual e Rodoviária do Plano Piloto. "Nós buscamos facilitar a mobilidade de quem é motorista por aplicativo regular e não dar espaço e áreas de embarque e desembarque para transportes irregulares", explica.

Soluções 

Zeno Gonçalves acrescenta que o governo tem buscado fortalecer a rede pública de transporte do DF para consequentemente desencorajar o passageiro a recorrer ao transporte irregular. Segundo ele, a rede registra 1,5 milhão de acessos diários. "Brasília foi a primeira a atingir esse patamar pós-pandemia", destaca. "No entanto, sabemos que ainda é necessário ampliar horários e linhas em regiões críticas, como Santa Maria, Gama, Itapoã, Paranoá, Planaltina, Arapoangas, entre outras regiões de expansão imobiliária que estão precisando de reforços", elenca. "São áreas de expansão imobiliária que estão precisando de reforços", diz.

O chefe da pasta reconhece a necessidade de melhorias estruturais nas vias do DF. "Não adianta ampliar frota se não tiver faixas e corredores exclusivos", ressaltou. "O Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) deve prever um conjunto de investimentos neste sentido", completa. Zeno lembra que o PDTU está em fase de atualização e aceita contribuições até 10 de outubro. 

O especialista Fagner Dias enfatiza a importância da informação e educação aos passageiros. "É preciso aumentar a presença do Estado por meio de operações de fiscalização e penalidades mais severas para os operadores ilegais. Mas isso deve vir acompanhado de campanhas de conscientização que mostrem à população os riscos reais por trás de uma "carona" mais barata. Informar o cidadão é dar a ele o poder de fazer uma escolha mais segura", sugere.

Autuações por transporte irregular

Opinião

Multas mais pesadas

Por Wesley Ferro, secretário-executivo do Movimento pelo Direito ao Transporte (MDT) e Conselheiro de Transporte Público do DF e do Conselho de Trânsito do DF

Os órgãos de controle têm o papel de agir para coibir a circulação de transporte irregular. É sempre bom lembrar que a Lei 4.011/2007 reforça a necessidade de os órgãos gestores  combaterem o transporte ilegal. Infelizmente, ainda há fragilidade na fiscalização.

O transporte irregular pode reduzir o tempo de viagem, mas ao custo de várias consequências negativas. É importante lembrar aos passageiros que o transporte ilegal não tem cobertura de seguro para acidentes ou qualquer outro sinistro. Os malefícios para os passageiros que fazem uso do transporte irregular são inúmeros. Percebemos que quem conduz esse tipo de transporte coleciona uma série de infrações durante a prestação dos serviços, como dirigir sem cinto, usando celular, trafegar em alta velocidade em faixas exclusivas, usar acostamento para fazer ultrapassagem, entre outras.

O que precisa acontecer é uma fiscalização regular, intensa e com programas permanentes para interromper os transportes ilegais. A multa para quem realiza transporte irregular é de R$ 296,47, além de sete pontos na carteira. É muito baixa para os riscos gerados. O valor deveria ser aumentado como forma de desestímulo. O ideal era que o valor fosse, no mínimo, o dobro. 

Mas o principal caminho de combate é o investimento em mais infraestrutura de trânsito. Onde há infraestrutura exclusiva, como o corredor do BRT por exemplo, o transporte ilegal é desestimulado. O fortalecimento do transporte público também é uma medida de enfrentamento. Reduzir tarifas e desonerar o usuário também são formas de incentivá-lo a evitar a irregularidade e aderir ao transporte público. 

A solução passa pela implementação de uma fiscalização permanente dos órgãos rodoviários e de segurança, ampliação do valor da multa para quem faz transporte ilegal e investimento em infraestrutura exclusiva, tanto no DF como no Entorno. 

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira